7.4.06

Às vezes, francamente, o espírito humano dá nome às coisas de maneira bem poética. Um lavrador vai a seu campo no tempo da semeadura para o arar, preparar as sementeiras. Faz um comprido sulco, raso e largo, com o facão do arado; e depois volta fazendo outro, e outro, muitos mais, todos cuidadosamente paralelos entre si, para facilitar o lançamento das sementes de um e outro lado das alamedas... Mas a calma do sol da tarde age-lhe misteriosamente na alma, e ele se distrai, e sonha, e sonha mais e se distrai mais ainda, enquanto o arado corta a terra, já sem rumo fixo, em linhas desconexas. Deu para imaginar a cena? É uma cena de delírio, tal como entendemos o que isso seja. E mais: estar fora de si, imaginar loucuras, e se possível cometê-las... na gíria jovem deste fim-de-século, enfim, delirar é "viajar". Sair dos sentidos. "Fulana viajou", diz alguém assustado, ao ver a amiga sempre tão comedida, sempre tão "em ordem", um dia chutar o pau da barraca, virar a mesa e acabar rodando a baiana, num puro delírio. Que também pode significar uma outra "viagem", triste viagem de parca volta, a das drogas. Pois é. Na raiz, a palavra delirar nos fala de tudo isso, pois quer dizer, literalmente, "sair (o lavrador que conduz o arado) do sulco (planejado)". O verbo latino delirare é formado por lira, "sulco feito pelo arado", com o prefixo latino de-, "fora de", "afastado de". Por falar nisso, "estar fora de si" tanto pode ser um estado de delírio como um estado de êxtase (ekstasis, "arrebatamento íntimo" pref. de-, "fora de" + lira, "sulco de arado".]