24.10.05

- Vô, e quem mora lá na Cancela Preta, onde sempre aparece onça, lembra? Precisa de ter pelo menos uma espingarda.
- Minha filha, lá faz muito tempo que de bicho só tem mesmo os de cria. Os de aparecer, só lagartixa. Nem teú tem mais. As espingardas nem lembram mais como é tiro.
 

20.10.05



Tê está há quase um ano na Alemanha, me deixando aqui na orfandade. Tem medo de voltar pro Brasil. Quer ficar mais. Tem saudade. Ficou noiva em Veneza. Sem testemunhas.

André e eu nos casamos sozinhos, sem testemunhas, no cartório. Mas a felicidade é a mesma de um festão, né? A gente gostando deles, entendidamente, e coração contando que eles também em amor gostam da gente. E esse amor sede depois de ter bem bebido vai serpenteando pela vida, se alimentando dele mesmo.

Tê, eu desejo toda a felicidade deste mundo debaixo das estrelas pra você. Quanto ao medo de voltar, sempre dá aquela gasturinha na barriga, e trabalho não tá mesmo fácil, mas também não é impossível, ainda mais assim! É de uma raridade sem tamanho quem fale alemão e seja em Letras e Leis formado.

A saudade, daquelas que não é de bicho nem de gente, é assim de ver um moleque passando na bicicleta assobiando samba, de goiaba, de um cheiro de madeira e quadro quando se entra em casa, não abandona a gente nunca mais. É de uma estranheza só essa saudade que começa aí e não acaba em lugar nenhum, pois que é uma saudade de tempo.

Eu te amo. E tenho saudades. E te desejo um retorno feliz, a seu tempo.
se tem uma coisa que aprendi de tanto caminhar pelas ladeiras de Minas foi escorregar sem cair. para quem escorrega em média 5x por semana, não se estabacar nenhuma, é de grande valia. (especial valia terá esta técnica do escorrega-mas-não-cai quando eu estiver velha e escorregadeira.)
 
(fico tanto tempo sem escrever e venho logo com essa conversa de escorregar. fazer o que, se a minha vida anda prosaica como chuva de tarde?)

14.10.05

Era domingo que pita cachimbo e Tatão Chaves aproveitou para pedir Lili Mercedes, mestra de letras, em casamento. A cidadezinha de Monte Alegre, sabedora da novidade, botou a cabeça de fora para presenciar Tatão em cima das botinas de lustro e por baixo dos panos engomados. Para avivar a coragem, Tatão bebeu, no Bar da Ponte, meio dedo de licor, coisinha de aligeirar a língua e aromar a boca. Como achasse o licor educado demais, mandou cruzar a bebidinha com cachaça de fundo de garrafa. E recomendativo:

— Daquele parati mimoso que até parece flor de jardim.

De talagada em talagada
Tatão perdeu a mira da cabeça. Embaralhou o pedido de casamento com negócio de disco-voador, imposto de renda e busto de moça. A essa altura, gravata desabada e camisa fora da calça, Tatão preveniu:

— Sou o maior dedilhador dos desabotoados das meninas já aparecido em Monte Alegre. Sou Tatão Chupeta!

Gritava que era monarquista, que era a favor da escravidão e que o prefeito de Monte Alegre não passava de uma perfeita e acabada mula-sem-cabeça. E para arrematar, ganhando a porta do Bar da Ponte, garantiu:

— Só queria que aparecesse neste justo instante um boi cornudo para
Tatão esfarinhar o chifre do sem-vergonha a bofetada!

Nisso, um boizinho desgarrado apontou na esquina da Rua do Comércio
. Tatão cumprindo a promessa, armou o maior soco do mundo. E atrás do soco saiu Tatão, atravessou a Praça 13 de Maio, entrou no Mercado Municipal, desmontou duas barracas, esfarelou um comício de tomates e só parou no Açougue Primavera. E meio adernado sobre um quarto de boi que sangrava em cima do balcão:

— Soco de
Tatão é pior que canhão de guerra. Mata e esquarteja!

José Cândido de Carvalho
juro que não me lembrava mais da última vez que fui ao cinema. (Mr and Mrs Smith?, parece que faz mais tempo...)
nos tempos macios, assistia a três sessões seguidas. levava pipoca num saco bem grande pro cinema, pois o pipoqueiro havia morrido e ninguém tinha se disposto a subsituí-lo. Pois sim, levava a minha pipoca, feita com simpatia de bater colher de pau na panela repetindo um nome de fofoqueira. uma certa tia teve grandes préstimos.
os filmes vinham em caixas metálicas e, entre um rolo e outro, seu Damião pregava um durex. pra separar, quando o rolo tinha que ser enviado de volva à capital, ele cortava e me dava os pedacinhos do rolo de filme. cheguei a ter uma coleção deles.
mas comecei esse assunto por motivo outro e de tanto serpentear já estou lá em outro tempo. o coronel e o lobisomem: gostei! e me disseram que a briga de galos é digital, não dá nem pra crer.
(alguém sabe me dizer se rolo de filme ainda é pregado com durex?)

4.10.05

tenho verdades profundas - não falo da profundidade das verdades, mas da profundidade das verdades em mim. uma delas é que não gostava do cheiro da manga na infância, e a paixão por esse cheiro só me veio com o tempo. então cheiros de manga me recordam de meu amadurecimento.
 
ah! os amores da idade adulta...