31.5.05

Era uma vez...

- Pequenino e sua mãe eram tão pobrezinhos que tiveram que vender a única vaquinha.
- Mas e se eles quisessem tomar leite?
- Uai! Comprariam o leite com o dinheiro da vaquinha!
- Mas se a vaquinha tinha dinheiro pra que vender a vaquinha?
- !

(criança em casa é outra energia. eles riem de nada, assistem ao mesmo filme 30 vezes. e dizem aquelas coisas de quem tá vendo tudo pela primeira vez.

e entendem mais de lógica do que eu.)
"get a life!", eu me disse.

26.5.05

Baby, do you understand me now?
Sometimes I feel a little mad
But, don't you know that no one alive can always be an angel
When things go wrong I seem to be bad
I'm just a soul whose intentions are good
Oh Lord, please don't let me be misunderstood!
***

Anna Karina Godard

Adoro as trilhas do Tarantino. Transformar Don't let me be misunderstood na trilha ideal para uma briga entre samurais não é coisa para ninguém mais. Nos tempos duros ele trabalhava num balcão de locadora, estudava teatro e falsificava seu currículo com uma inexistente participação na montagem do Godard para King Lear. Era fã do Godard. A Mia, de Pulp Fiction, foi inspirada na mulher do Godard. Tarantino dirigiu o CSI que vai passar em terras tupiniquins em julho. Não perco por nada!
este é o meu escape: escrevo para não morrer engasgada. mas a clareza não é o meu objetivo. mas nem sempre tenho claro o limite, e às vezes me pego retratando a minha vida de uma forma quase pornográfica de tão escancarada. é neste então que eu me recolho. é neste então que eu me escondo. é neste então que eu cito.
"Se estivéssemos em 1982, eu acordaria sem preocupações e ficaria brincando até a hora da escola."
You look at where you're going and where you are and it never makes sense, but then you look back at where you've been and a pattern seems to emerge. And if you project forward from that pattern, than sometimes you can come up with something.
Zen and the art of motorcycle maintenance.

25.5.05

Notre Dame de Paris
"L'aveugle garde le regard comme le muet la parole - l'un et l'autre dépositaires de l'invisible, de l'indicible... gardiens infirmes du rien." Edmond Jabès

rien, rien. nothing, nothing. é mesmo impressionante o número de pessoas-espelho que se encontra. não um espelho porque nos enxergamos nelas. são espelhos porque não retém o mundo. refletem porque devolvem, sem processar de nenhuma forma, o que a vida lhes revela.

às vezes eu me sinto um espelho. citando frases fora de contexto. (simplesmente porque não li o contexto.)

tradução livre, a única que o meu fracês pobre permite: "o cego mantém o olhar como o tolo a palavra - um e outro depositários do invisível, do indizível... guardiões débeis de nada."
alegriazinhas
1. Schweppes citrus
2. Lost
3. feriado prolongado
4. notícia de amigo distante
5. banho quente e demorado


O in-finito
horóscopo do dia

Talvez o grande problema de seu presente seja o aspecto tenso entre Júpiter, que empurra para a expansão e é otimista por natureza, e Urano, que simboliza o imprevisto, a moda, a fragmentação. Um quer pompa, o outro, despretensão. A você cabe encontrar um ajuste criativo. Tente.

odeio charadas.

24.5.05

Thereza é a minha melhor amiga desde o tempo dos cueiros. Está numa cidade minúscula, Jena, da Alemanha estudando alemão. Não gosto de MSN, pois nutria um certo carinho pelo ICQ e esse ninguém mais usa. Mas pra poder conversar com ela, sempre abro um parêntese. Hoje nossa conversa me deixou preocupada. Me digam: tenho razões?

Vivianne diz:
oi Tê
ê diz:
Ei ví! vc nao sabe da maior. dia 11 de junho vai ter uma festa neonazista aqui. já estou tendo pesadelos
Vivianne diz:
sério?
Tê diz:
parece que vem gente de toda alemanha
Vivianne diz:
fala mais disso. a festa vai ser aih na sua cidade?
Tê diz:
estao esperando 5000 pessoas aqui. e estao organizando também demonstracoes contra. ainda nao sei se é seguro para os estrangeiros ir para a rua. além disso os alemaes estao falando que esta é uma briga deles. alemaes contra alemaes. que é mais seguro para os estrangeiros ficarem em casa. vai ter porrada!!!!!!
Vivianne diz:
credo. mas aí na sua cidade q é pequena e tal?
Tê diz:
pois é. mas tem uma galera neo nazista aqui. moram longe, mas estao aqui.
Vivianne diz:
vc já foi tratada mal alguma vez, tê?
Tê diz:
a questao deles e do partido NPD é o desemprego na alemanha. que é muito alto.
Vivianne diz:
e aí a culpa é dos estrangeiros? qual é, né tê?
Tê diz:
nunca aconteceu nada comigo. alguns já falaram umas bobagens pros meus amigos.. mas comigo nada.
Tê diz:
dizem que é muito seguro.
Vivianne diz:
falaram bobagens pros seus amigos? tipo o q?
Tê diz:
a gente pode andar pra todo lado de madrugada e sozinha na rua.
Tê diz:
tipo, vc é um cu..
Tê diz:
entendeu
Tê diz:
?
Vivianne diz:
entendi.
Vivianne diz:
que horror.
Vivianne diz:
ai tê, evita andar na rua de noite.
Tê diz:
tem também muitos punks. gente boa, mas cara de pau, que ficam pedindo dinheiro pra tomar uns goles
Vivianne diz:
sei q é calmo e tal, mas o perigo mora mesmo é nas surpresas.
Vivianne diz:
no achar q não tem perigo.
Tê diz:
nêga, eu preciso ir. amo vc
Vivianne diz:
tb te amo. e se cuida.
Anúncio no jornal
Branca, bonita, 1,60 m, c/ superior, solteira, procura cavalheiro até 35 anos, para futuro compromisso. Cartas p/ portaria deste jornal, nº 40.021.

***

Senhorinha,

Seu singelo anúncio teve o dom de emocionar-me até as lágrimas, levando-me a enviar-lhe esta pequenina missiva, fruto das minhas francas e honestas intenções. Imagino-a em seu quartinho virginal, traçando com a mãozinha trêmula de pudor o manuscrito do anúncio. Vejo-a atravessando a rua com seu passinho gracioso, chegando em frente ao jornal e, após alguns minutos de dolorosa reflexão, dirigir-se ao balcão com os olhos baixos e os seios arfantes, fazendo com a voz velada pela timidez o pedido do seu anunciozinho.

Cara jovem, também estou imerso na mesma solidão que a cerca – fruto do nosso século de desamor e indiferença – atrevo-me, portanto, a dirigir-me à senhorinha suplicando a graça de um breve colóquio. Tenho certeza de que posso fazê-la feliz, apesar de já haver ultrapassado um pouco a idade estipulada pela senhorinha.

Caso consinta em atender a minhas súplicas, suas cartinhas poderão ser enviadas para este seu criado, Aparício dos Santos, à Rua dos Andradas, 48 – Ouro Preto – Minas Gerais.

Post roubado.

A-tchim! - o que conto. O tempo dá saltos, trai a todos. E eu não tinha contado bem com o muda-mar. Em pois, muito não tarda, e a maré já deve começar a voltar, enchentemente, para contradizer tudo.
Mesmo no exílio, Minas veio comigo. Neste agora tenho quatro livros no móvel de cabeceira. O retrato na gaveta, do pajé ottolara, Boitempo II e Boca de Luar, do Drummond e Estas Estórias do Guimarães Rosa. Todos mineiros até o brodo.

E assim, nos cafundós do Rio de Janeiro, quem vem pro café é o meu tio Iauaretê, e o Tomé, que preenche a conversa com os amores de Leocádia.

23.5.05

se nesse blog tivesse um daqueles gifs indicadores de humor hoje seria "cínica".
Já tem mais de 16 mil membros uma comunidade do Orkut chamada "Eu tenho medo do mesmo". A plaquinha que ilustra a página explica do que se trata: "Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar."
liguei a tv antes de acordar. zap e entrevistas com representantes de várias religiões sobre como é o inferno e tal. um lá disse que o inferno não é 1. são 256.

(foi então que emiti o primeiro som do dia. quase um jargão: "ah, qual é, né?")

o inferno são os outros. os outros 255.

22.5.05

Tudo isso é rotina. Há um certo ar de monotonia por toda parte.

Em alguma ruazinha simpática, com árvores e sossego, ainda há crianças deslumbradas a comerem aquele algodão de açúcar. E há os avós de olhos filosóficos, a conduzirem pela mão a netinha que ensaia os primeiros passeios, como uma bailarina principiante a equilibrar-se nas pontas dos sapatinhos brancos.

Mas, (psiu!), não conte a ninguém João. Te levarei para caçar tatuis. Esses dinossauros encantados tornados diminutos por uma bruxa raivosa por terem comido seus dentes-de-leão.
A lua foi ao cinema, na poesia de Leminski. A namorada, para Drummond, tem boca de luar. Uma meia lua vertical aparece no canto superior direito do envelope de Joan Brossa. A lua branca cheia de fulgores e encantos, tal qual a dona de um bordel, pedia a cada estrela guia um brilho de aluguel.

21.5.05

Saudade

"Se de natureza de puro sentir, nem seria assim tão valioso sobre ela teorizar, ou tecer especulações, que poderiam resultar estéreis. Mas prossigo. Quando algo de nós é apartado (há exemplos até de uns a que nem dávamos assim a devida atenção), e nos começa a inflar um oco, como se dentro passasse a habitar uma falta: viramos a presença do que deixou de estar lá. Olha lá como pode isso? Oxímoros, belas palavras eruditas pra definir paradoxos extremados."

(Farfalhou um colibri. Porque eu não sei o nome da língua do colibri e farfalhou me pareceu apropriado.)

20.5.05

A gente sabe mais de um homem é o que ele esconde.

G. Rosa, Grande sertão: veredas.

19.5.05

Vou fazer uma declaração como se fosse mentira. Mas não é.

É difícil entender por quê uma pesquisadora com promissora carreira na Europa deixa tudo e nem olha para trás. Mas, um ingrediente da sopa de motivos foi que eu tive medo.

A polícia de Miami encontrou Benito Que, em uma rua lateral, perto do ponto onde tinha estacionado seu carro. Na mesma época, C. Wiley desapareceu misteriosamente. Seu carro, um Mitsubishi alugado, foi abandonado em uma ponte fora de Memphis, onde tinha ido jantar com amigos. Na semana seguinte Vladimir Pasechnik caiu morto em Londres, aparentemente um ataque cardíaco fulminante. A lista viria quase a uma dúzia no espaço de quatro meses.

Outra pessoa se sufocou em um laboratório em Geelong, Austrália. Mais uma foi encontrada numa cadeira, despida da cintura para baixo, em um apartamento com sangue por todo lado em Norwich, Inglaterra. Outra atropelada por por um carro ao movimentar-se. Mais uma num acidente de avião. E por fim outro assassinado por um entregador de pizza.

O que todas as pessoas tinham em comum? A linha de pesquisa. A minha linha de pesquisa.

Então eu desapareci.
You and I have memories
Longer than the road that stretches out ahead

We're going home
Better believe it


Beatles - 2 of us

18.5.05

Em abril ele apareceu perambulando numa praia, vestido com um terno caro - mas incapaz de dizer uma palavra. Levado para a ala psiquiátrica do Hospital Marítimo Medway, recebeu papel e lápis. A esperança era de que ele pudesse escrever seu nome. Em vez disso, ele vez fez um intrincado desenho de um grande piano, inclusive com detalhes do mecanismo interno do instrumento. A única pista que o rapaz deu foi sentar-se a um piano e tocar peças clássicas divinamente.

Cansou-se de ser quem era. Who can blame him? Atire a primeira pedra quem nunca cometeu este pecado.

gosto de me perder. sempre gostei. não existe melhor oportunidade para se achar do que se perder. uma vez me perdi em Londres. e no auge do sentimento de 'não tenho a mínima idéia de onde estou e não tem ninguem aqui pra perguntar' eu olhei pra cima e tinha uma placa verde limão onde estava escrito 'the end'. foi epistolar.

nesta cidade que nunca cheguei a aprender amar, eu nunca me perdi. talvez seja esse o motivo.
- Como foi a aula de artes hoje, Alice?
- Foi legal. A gente tinha que desenhar uma pessoa.
- Ah, é? E todo mundo desenhou?
- Só o Bruno que não. Ele desenhou uma cebola.
- Cebola?! E a professora achou legal?
- Ela não falou nada, não. Uma cebola é tão parecida com uma cabeça que ela nem notou!

Roubei do Mothern.

Questionada se preferia alguma foto que tirou de Marilyn, afirmou que gostava muito de uma imagem da atriz no meio do deserto, compenetrada, tentando relembrar suas falas. Confirmou que Marilyn gostava mesmo de andar com uma sola de sapato mais baixa do que a outra para dar uma rebolada extra em suas caminhadas.

Eve Arnold, fotógrafa de Marilyn, na Folha de hoje.

17.5.05

era o início dos anos 70 e a cidade fervilhava. o vinícius de moraes tava por ali, cantando nas rodinhas de violão, e o Festival de Inverno de Ouro Preto, criado em fins da década de 60, ganha fama de maior acontecimento artístico do país.

dizem as línguas boas e más que foi neste então que o Carlos Scliar adornou a sua casa...

(pausa para uma digressão. a casa. encrustada numa encosta nas Lages, tem um riacho em seus domínios. paredes cobertas de obras modernistas e sempre foi um dos dois palcos dos meus sonhos ouropretanos.)

... com os mais belos estudantes da cidade. foi então que Clarice veio. e as boas e más línguas mais antigas têm sempre uma história pra contar sobre sua paixão por um desses estudantes. esse em especial belo como Adônis, e sempre que eu via sua foto eu me sentia atacada por misteriosas reticências. ela tinha bom gosto.

16.5.05



Macunaíma gabava-se um dia de ter caçado dois veados mateiros de uma só vez, quando pegara simplesmente dois ratos chamuscados. Como seus irmãos contestassem a proeza, ele "parou assim os olhos" no interlocutor e explicou:
- Eu menti.

Me sinto um pouco na situação de Macunaíma. Não esculpi nem só uma pedrinha. É verdade que freqüentei umas 6 ou 7 aulas, mas nas 2 primeiras a Fundação de Arte não tinha material, o que nos obrigou a uma aula teórica. Nas seguintes toda vez que eu ia usar as ferramentas o professor me pedia calma para que pudesse ser capaz de primeiro vizualizar a obra, e não fosse fazendo e vizualizando. Aí eu desisti.

Embora ninguém pusesse em dúvida a veracidade das minhas aulas de escultura, resolvi contar. Aprendi que, para a virtude da discrição - ou de modo geral qualquer virtude - aparecer em seu fulgor, é necessário que faltemos à sua prática. Morresse eu com o meu segredo, ninguém o saberia, mas também a sensação macunaímica não me abandonaria. Ao ter feito a afirmação de ter estudado escultura, quis apenas alimentar um modesto sonho, e los sueños suños son.
em Ouro Preto eu estudei pintura, escultura, restauração, dança, teatro, canto.

aqui eu estudo o tempo.

15.5.05

posso ser insensível, esnobe, pode ser trauma de infância (piano, argh! flauta, urgh!). o fato é que eu não gosto de música. pronto: falei.

Frank Sinatra? gosto. Beatles, legal. Belle & Sebastian já ouvi muito. Chico. Tom.

gosto de música como gosto de papaia com cassis. gosto e tal, mas já faz uns 3 meses que não como.

aí o coitado que ama música (e, eu sei, ele gosta de boa música) escuta Beatles por John Pizzarelli 16 vezes seguidas. eu fico nervosa, mas tenho que me controlar para não ser uma idiota insensível. afinal eu o amo, e música faz parte do pacote, faz parte do que ele é, e all that jazz tem o seu charme.

P.S.: sabe? acho que de música o que mais gosto é da literatura. por isso Chico é tão bom.
para uma calopsita

foi um ploft. procurei no quarto e o barulho não fazia sentido. só podia ser fora. era um sabiá que se chocou contra a minha vidraça. (confesso que achei ser um pardal, nunca fui admiradora de pássaros, não sei distinguir uma arara de uma maritaca.)

fiquei olhando de longe, passarinhos sempre me lembram 'a história triste de tuim', do Braga e seu tuim criado no dedo. (pausa para esclarecimentos: também não sabia o que era um tuim. achava que era parecido com um pardal, mas diz o Braga que "De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis para enfeitar.")

voltemos ao meu não-pardal. tava lá o coitadinho. parecia ser sangue no bico. peguei água na cozinha, o André molhava o dedo na água e deixava pingar no bico e ele - o sabiá - ficava olhando pra gente com aquela carinha de quem não tá entendendo muito. pensei em lhe servir um analgésico. Quis pegá-lo pra ver se o machucado era mais grave, no peito. e ele voou.

moral da história: nem todo pássaro é pardal, e eu não aprendo nunca, por mais perto que esteja do que eu quero não controlo a minha ansiedade, atropelo o tempo e as coisas voam.

13.5.05

tenho um pouco de pudor de contar, mas só um pouco, porque sei que vou acabar contando mesmo.

como tudo começou, ou amor em 5 e-mails.

A: Ihhhh.....espantei a menina!!!!!!

V: por que?

A: te chamei de namorada...:p

V: vou te encher de clichês pra te dizer que eu quero ser sua namorada.

***
eu enlouqueci.

A: Então que me internem junto de você...

Simplesmente bela!

'Tenho muita saudade de quando não existia essa amolação de cigarro dar câncer, nem de mulher ser magra. A gente tinha mais tempo para o que precisa, não é mesmo? Será que faz mal mesmo? Colesterol, depois de tanto barulho, estão falando que já tem do bom. Qualquer dia vou pedir ao Teodoro pra dar uma fumadinha, só pra fazer tipo.'

Adélia Prado.

tem muitos que eu gosto: Maiakovsky, Drummond, Quintana, Manoel de Barros. Mas para a Adélia Prado eu tenho vontade de coar um café, fazer uns sequilhos, e ficar assim desfiando o rosário dos ontens.
de repente me pareceu que devo continuar a fazer coisas, que tudo está ruim, mas que é assim mesmo, que as coisas são desconhecidas até que rebentam numa conhecida. às vezes, para mim, é mais fácil ver o sobrenatural que a realidade.

12.5.05

olha, eu escrevo assim, não adianta reclamar. não sou uma virtuose de objetividade.

uso reticências, ah!, esse rastro que fica de minha fuga na ponta dos pés pra eu não ter que me explicar melhor.

e parênteses são minhas mãos em concha pra sussurrar um segredo, fazer confidências.

são a minha forma de gesticular por escrito.


felicidade se acha em horinhas de descuido.
Guimarães Rosa

ah, as alegriazinhas...
poucas pessoas podem dizer que realmente me conhecem: meu pai e T. (eu não sou uma delas, André ainda não é uma delas.)

hoje eu contei à T. - que etá na alemanha - que eu queria me mudar e ela me disse: "agora eu posso te dizer que você nunca coube aí."

(a conheci com 3 anos de idade. estudamos juntas, moramos juntas, passamos a infância e a adolescência vivendo as experiências uma da outra. minha adaptação à realidade de filha de pai solteiro. a morte do pai dela. a desadaptação de nós duas. íamos ao circo, ao cinema, aos meus recitais de piano - argh - às apresentações do coral dela. choramos juntas e quando fomos estudar na capital fomos juntas e moramos juntas. se eu posso chamar alguém de irmã esse alguém é ela.

há duas semanas mandei-lhe uma carta. lembro como era bom receber alguma coisa que alguém que eu amava tinha mandado do Brasil, quando era eu que estava no exílio.)
como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos, assim te levo comigo, tarde de maio. (...) Eu nada te peço, tarde de maio, senão que continues no tempo e fora dele, irreversível. (...) Em maio tantas vezes morremos, para renascer, eu sei, numa fictícia primavera.
eu acordo cedo. levanto da cama, dou uma espreguiçada e me deito de novo no sofá da sala. sento e vou ler os jornais.

na Folha, manchete na capa, a separação do Ronaldinho e da Cicarelli. surpreendeu alguém? Ronaldinho vai voltar à farra depois de uma cirurgia plástica na tatuagem e a Cicarelli fica R$15 milhões mais rica. por três meses de casamento!

dou um bocejo grande e começo pela astrologia. alguma coisa sobre mudar de vida. checo os e-mails, nada ainda. checo preços de passagens internacionais. dólar em baixa, dólar turismo R$2,50. mas não posso gastar minhs economias se não tiver como repor.

desisto. vou ver os classificados.

10.5.05


pra I.
'Houve um tempo em que sonhei coisas - não foi ser eleito senador nem nada, eram coisas humildes e vagabundas que entretanto não fiz e, nem com certeza farei. Era por exemplo arrumar um barco e sair tocando devagar por toda costa do Brasil, parando, pra pescar, vender banana ou comprar fumo de rolo, não sei, me demorando e indo, vendo as coisas, conversando com as pessoas, aprendendo a fazer coisas singelas que vivem fora das estatisticas. Ir indo por esse Brasil que ainda existe, que funciona a lenha e lombo de burro. Aquele Brasil em que as noites são pretas com assombração, dizem que ainda tem até luar no sertão, até capivara e suçuarana - não, eu não sou contra o progresso ("o progresso é natural") mas uma garrafinha de refrigerante americano não é capaz de ser como um refresco de maracujá feito de fruta mesmo." Rubem Braga, num livro que desapareceu das minhas estantes.
acho que estou ficando cega do terceiro olho.
André fez pedacinhos de alegria chamadas trufas. eu tenho que pintar um armário, arrumar um emprego, mudar de cidade, aprender esculpir, fazer mais exercícios físicos.

enquanto isso não penso, cito.

9.5.05

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
Clarice

pois na prática, meu bem, a teoria é outra.

8.5.05

Tem dias que eu fico pensando na vida
E sinceramente não vejo saída.
Como é, por exemplo, que dá pra entender:
A gente mal nasce, começa a morrer.

Depois da chegada vem sempre a partida,
Porque não há nada sem separação.
Sei lá, sei lá, a vida é uma grande ilusão.
Sei lá, sei lá, só sei que ela está com a razão.

A gente nem sabe que males se apronta.
Fazendo de conta, fingindo esquecer
Que nada renasce antes que se acabe,
E o sol que desponta tem que anoitecer.

De nada adianta ficar-se de fora.
A hora do sim é o descuido do não.
Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão.
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão.

Toquinho

7.5.05


A Lagarta e Alice olharam-se uma para outra por algum tempo em silêncio: por fim, a Lagarta tirou o narguilé da boca, e dirigiu-se à menina com uma voz lânguida, sonolenta.

"Quem é você?", perguntou a Lagarta.

Não era uma maneira encorajadora de iniciar uma conversa. Alice retrucou, bastante timidamente:

"Eu - eu não sei muito bem, Senhora, no presente momento - pelo menos eu sei quem eu era quando levantei esta manhã, mas acho que tenho mudado muitas vezes desde então."
O homem comum, por mais dura que lhe seja a vida, tem ao menos a felicidade de não pensar. Viver a vida decorrentemente, exteriormente, como um gato ou um cão - assim se deve viver a vida para que possa ter a satisfação do cão e do gato.

6.5.05

Acabei de dar um check up
na situação
o que me levou re-ler Alice no País das Maravilhas

Raul Seixas


Diário de Frida Kahlo


tire o seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor
ser feliz deixa a gente burra chata. me sinto esfregando minha felicidade na cara das pessoas.


tô contando porque ele pediu. disse que não tinha como não contar isso e tal. que talvez pra que eu conte aqui é que tenha acontecido o que aconteceu.

saí de casa com o portifolio dele debaixo do braço. não sei explicar por quê. sei que saí com a pasta debaixo do braço, peguei fila de banco, fila pra falar com o gerente, toda vez a mesma história: é só chegar um cartão novo que tascam lá "Vivane". tô até pensando em mudar o nome de verdade, lá no juiz, para evitar filas.

como não sou de ferro e era mesmo uma liqüidação, passei pra comprar um edredon de casal, que se a gente receber visita e se tiver edredon lavando a visita ia passar frio, coitadinha.

fui pra casa da sogra mais gente fina do mundo, que cuidou de mim 1 semana doente quando a gente nem bem tinha 1 semana de namoro, que plantou minhas pimentinhas em diversos vasos e tá cuidando delas até pegar força, e que faz uma batata rostie fantástica e que nas horas nada vagas gerencia um restaurante.

bem aí eu dei por mim. cadê a pasta? o portifolio com cópias únicas, que ele não guardou outras, de trabalhos para o Lan, para o mercado Ver-o-Peso. coisinhas legais, trabalhos de uma vida e tal.

liguei pra loja e ninguém achou nada. fui lá, ninguém nunca viu mais gorda a pasta branca.

quando ele chegou eu estava preparada pra separação. foi aí que aquele anjinho aí de baixo deu o jeito dele e me ligaram da loja. a pasta reapareceu. e vivemos felizes para sempre.

mas por que mesmo eu carreguei a pasta?
não sei fazer café. bem, café com aquela touquinha de tecido eu sei. naquela maquininha que ferve a água também. mas não sei operar a expresso. essa atividade sempre deixei pro André. não aprender foi uma modo de fazer com que ele sempre faça pra mim. agora estou aqui, me roendo prum expresso.

moral da história: o feitiço pode virar-se contra a feiticeira.

resolução de ano novo: aprender a operar a cafeteira expresso.

5.5.05


Por falar em anjos

Era começo de outono em Paris e isso não tornava os parisienses mais simpáticos. Perguntei no meu francês possível onde, afinal, ficava a Gare de Lyon. O primeiro me apontou a direita. O segundo me apontou a esquerda. Não perguntei um terceiro.

(A França em pouquíssimo tempo me ensinou a não confiar nos transeuntes.)

Sentei num banquinho perto da Praça da Bastilha sem me conformar. Não queria mais a França. Disse num pensamento que me pareceu um grito: não saio daqui. Que venham as respostas.

E aquele velhinho de chapéu, terno xadrez e gravata em diferentes padronagens, saído de filmes franceses, sentou do meu lado, me contou sobre a Primeira Guerra e riu da antipatia dos franceses. Me falou das maravilhas da comunicação, de como o mundo fosse melhor se todo mundo falasse a mesma língua. Nasceu em Paris e morreria em Paris. Mas falava inglês e esperanto, para garantir. E já que você vai pra Avignon, a Gare de Lyon é pra lá. E me apontou o centro.

(o post é quase repetido. mas eu só achei a foto - que confesso, tirei pra saber se ele era de verdade - há pouco tempo.)


meu anjo da guarda é forte e trabalha muito. qual seria a outra explicação para que uma kamikaze como eu tenha sempre a sorte jogando ao meu favor?

(lembro-me da época em que era afeita a noitadas. tinha uma prova temida de Química Analítica II, mas tava mais interessada na festinha da Serigy. cheguei em casa às 5 da manhã, dei uma olhada no meu caderno de anotações e refiz 1 único exercício. exatamente o único exercício que caiu na prova.)

qual seria a outra explicação para que uma queimadura de 3º grau no rosto desaparecesse em 15 dias sem deixar uma única cicatriz? e ainda me deixar com a pele melhor que antes?

outro feito deste senhor foi fazer meu cartão bancário funcionar depois de ter sido dobrado em dois. era outono, eu estava sozinha. em outro país.

era uma vez eu sonhei com meu anjo guardião. e ele era forte e bonito, mas tinha os braços cheios de marcas de luta.
no telefone

- tem dois azuis e dois pretos. cores iguais fazem um par.
- de que você está falando?
- de chinelo, horas.
- ?
- você sempre troca os pares e deixa 1 pé nº35 pra mim. eu calço 42!
meus amigos, meus inimigos, salvemos o que resta de nós mesmos.


pimentas do reino são um ótimo remédio para acabar com as traças nos livros. são também uma ótima pista no meu tapete de que andei remexendo nas estantes.

4.5.05

Era uma vez...

era uma vez eu tinha o que dizer.

3.5.05

estou triste. no new messages. nada, niente. minha caixa de entrada não reage. daqui um pouco vou cometer um e-mail pra mim mesma. 24h sem trabalhar e já sinto falta do stress, das resoluções pra ontem, dos e-mails bombásticos.

por favor, tenham misericórdia: me mandem um spam.
gente é abismo. chegar perto dá vertigem.
olhei pra cidade e vi que ela não era mais minha. resolvi então enfiar a viola no saco. vou me mudar. pro Rio. vagas de emprego - no Rio - enviem para mim.

2.5.05


When you were here before, couldn't look you in the eye
You're just like an angel, your skin makes me cry
You float like a feather
In a beautiful world
And I wish I was special
You're so fucking special
almoçamos juntos. falei sobre a Itália e as incursões no bosque para caçar trufas. o cheiro de javali próximo. ele me escuta. sempre. de olhos vidrados.

engraçado... ainda não se acostumou ao meu esquecer o nome das coisas. cabide! não, galinha! (era almofada). olha pra mim, prestando atenção, de olhos vidrados, e me acha meio louca.

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.

Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.

Fernando Pessoa